sábado, 17 de maio de 2014

Há um bom tempo propus discutir a relação entre a desigualdade social e os procedimentos QUALIS-CAPES. Muitas pessoas achavam que era uma relação sem sentido, mas um relatório do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) demonstrou que pode ser possível que as desigualdades regionais estejam aumentando por causa disso.

Comecei a pensar sobre as consequências para o desenvolvimento econômico e social, percebi algo muito pior, a crescente falta de escrúpulo na condução de pesquisas científicas. Tal ação está fazendo o Brasil passar vexame em rankings científicos internacionais, mídias especializadas como o Retraction Watch e perder bilhões que poderiam ser aplicados em universidades que necessitam de recursos.

Durante 3 anos comecei a mapear artigos de algumas linhas de pesquisa, detectei como um padrão três ações principais: (i) professores se apropriando de trabalhos de alunos, (ii) criação de uma rede de publicação em revistas e congressos internacionais e (iii) diversos plágios de artigos e esquemas para aumentar as citações de grupos.

Vários alunos relataram em listas e blogs que seus trabalhos estavam sendo “furtados” pelos ex-orientadores. Eles terminam os cursos e os professores publicam artigos sobre os seus trabalhos, incluindo colegas como co-autores que em nada contribuíram no trabalho do aluno. Sobre isso, a lei de direitos autorais é clara: o estudante é sempre o autor principal do trabalho, a ele é reservado o direito de ter o nome incluído em todas as publicações!

A co-autoria também é um artifício utilizado para aprovação automática de artigos em conferências e revistas, tornando-se outro ato comum entre as más condutas na pesquisa científica. Percebi uma rede com a colaboração de editores e pesquisadores. Os editores são incluídos como co-autores para que a publicação seja aceita em revistas e os pesquisadores que possuem status em determinada linha para facilitar a aceitação de artigos em eventos científicos. Sobre essa prática, estudantes são induzidos a participar de esquemas de co-autoria, e pela falta de divulgação de boas práticas nas pesquisas científicas, acredito que eles nem sabem o que fazem. Entretanto, como autores principais do trabalho, infelizmente tem maiores chances de serem responsabilizados.

A terceira prática mais comum é o plágio, mas há um novo tipo de plágio que não é amplamente divulgado pela mídia científica: o plágio de trabalhos do próprio grupo. Pesquisando artigos de linhas de pesquisa detectei alunos plagiando trabalhos uns dos outros, com cópias de textos e aumentando o número de citações dos trabalhos do grupo em que atuam. Em uma linha, uma comunidade inteira repete essa ação e tenta despistar co-autorias em trabalhos. Ora um é autor, ora é outro colega, formando pequenos grupos. Todas essas práticas são nocivas para a formação do estudante e não contribui para o desenvolvimento da linha de pesquisa. Os estudantes estão enganando a si mesmo, o programa e todo o país. 

Engana a si mesmo porque a formação de um verdadeiro cientista inclui o trabalho ético na condução de uma pesquisa. O cientista deve propor avanços na sua linha de pesquisa e tais avanços podem ser comprovados através das citações do seu trabalho. Organizar grupos de colegas para aumentar a citação de trabalhos é uma fraude, o custo de uma pesquisa no Brasil não é baixo. O dinheiro investido nesse tipo de crime poderia alimentar muitas bocas famintas nas regiões mais pobres do país. 

Engana o programa porque muitos outros pesquisadores conduzem as suas pesquisas com correção e serão todos vistos como corruptos. Uma vez que membros do mesmo programa já praticam más condutas com tanta liberdade, pois falam abertamente e escrevem e-mails sem qualquer preocupação, logo isso sairá na mídia. As universidades deveriam punir com rigor, aplicando sanções internas exemplares para evitar que um pesquisador manche a reputação da instituição. Também, trabalhos publicados e citados por esses esquemas não representam a verdadeira qualidade do programa, é possível perceber estudantes que mal sabem escrever um artigo e como estão despreparados para conduzir uma pesquisa científica após o doutorado. 

Engana o país porque poucos pesquisadores são favorecidos em detrimento de bilhões que são gastos nesses esquemas. Mas o pior está por vir. Por não contribuir na verdadeira formação de cientistas, por não propor inovações verdadeiras que mereçam de fato serem publicadas e inflar a publicação de programas de pós-graduação em que atuam, o dano é muito maior para o desenvolvimento econômico e social do país, pois más condutas estão contribuindo para o aumento das desigualdades regionais.

Embora não existam estudos, é possível imaginar o que todas essas trapaças possam causar. A qualidade na formação de recursos humanos, inovação e fator de impacto das publicações são variáveis contudentes, como consequência, podemos associar também esses dados a queda de algumas universidades brasileiras em rankings internacionais.

Dos muitos males que a falta de escrúpulo possa causar no desenvolvimento econômico e social do país é certo que os bilhões gastos nessas pesquisas poderiam ser investidos em pesquisas que realmente poderiam propor avanços. Os programas de pós-graduação foram expandidos e matricularam muito mais estudantes nesta década como nunca se viu no país. Enquanto isso, muito do que poderia ser aplicado em inovação está sendo utilizado em benefício próprio de pequenos grupos. É preciso analisar cada área de conhecimento, cada grupo de pesquisa e retirar essas pragas antes que estraguem um campo inteiro da ciência no país.

A metodologia que utilizei para fazer esse estudo, que será publicado futuramente, envolveu a investigação de redes de colaboração em diversas linhas de pesquisa. Desde os alunos de graduação até doutorado de alguns pesquisadores das maiores universidades do país. Os trabalhos dos alunos estão nas bibliotecas institucionais, os artigos, as participações em bancas e todas as informações de orientação na plataforma lattes.

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